quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O primeiro clássico

SEMIFINAL 1 DO CAMPEONATO BRASILEIRO: CRÔNICA DA RODADA 2
Pelo mestre internacional Luis Rodi

Os infortúnios do sistema suíço permitem que aconteçam coisas como essa. Uma partida entre dois dos favoritos do torneio já na rodada 2, como se fosse um clássico antecipado. Porém, claro, essas coisas acontecem, sobretudo quando os protagonistas vem de empatar no seu jogo da primeira rodada, onde teoricamente enfrentaram adversários mais fracos. Em qualquer caso, uma tragédia que pode deixar a um dos principais animadores da prova em situação mais que delicada no caso de derrota. E ai estão, enquanto escrevo estas primeiras linhas, batalhando no seu tabuleiro (10) o grande mestre Everaldo Matsuura e o mestre internacional Roberto Molina. O jogo da rodada, sem dúvida. Rodada que começou algo mais tarde do previsto, justamente porque Molina acabou seu jogo da primeira rodada quase ao limite do começo da segunda.

Neste primeiro dia de competência a cidade de Guarapari mostrou um clima, quanto menos caprichoso. Nublado na manha, sol forte na tarde e, para cantar bingo, uma ligeira chuva ao momento de se realizar esta segunda rodada.
A sala de jogo se apresenta bem iluminada e confortável. A distancia entre as mesas é boa, assim como as demais comodidades.

21.30 – Aproximadamente hora e meia de jogo e finalizou a partida entre Matsuura e Molina com vitória para o primeiro. O jogo se desenvolveu numa bem conhecida linha da Caro Kann (ataque Panov); as pretas lograram o equilíbrio, porém uma série de imprecisões (me digam que não é o cansaço!) forma deixando a sua posição cada vez mais delicada, até cair sob ataque direto. O primeiro clássico da semifinal acaba rápido:

Matsuura,Everaldo (2483) - Molina,Roberto (2417)

Guarapari (2.10), 01.11.2012

 1.e4 c6 2.d4 d5 3.exd5 cxd5 4.c4 Cf6 5.Cc3 e6 6.Cf3 Bb4 

Este desenvolvimento é uma receita de Karpov para combater o temível ataque Panov. Mais clássica é 6...Be7
7.cxd5 Cxd5 8.Bd2 0–0 9.Bd3 Cc6 10.0–0

Uma tabiya da Caro Kann, com mais de 700 jogos na minha base. O seguinte plano -voltar com cavalo a f6 para ceder d5 ao outro cavalo- também é uma ideia popularizada por Karpov

10...Cf6 11.Bg5 Be7 12.Te1

O lance de moda na elite. No entanto, a mais popular segue sendo 12.Tc1, introduzida na prática no século XIX (Tinsley - Mortimer, Londres 1890)

12...b6

Aqui são alternativas populares 12..h6 e 12...Cb4, porém a escolha do mestre mineiro é a mais usual nesta posição e depois do próximo lance leva por transposição a um bem conhecido cenário -que também pode surgir desde aberturas de peão dama, por exemplo a Nimzoindia-

13.a3 Bb7 

 
14.Bb1

No entanto, aqui Matsuura se afasta do lance mais comúm, que é 14.Bc2 Um exemplo recente com temas semelhantes aos da nossa partida é 14...g6 15.Dd3 Cd5 16.Bh6 Te8 17.Bb3 Ca5 18.Ba2 -é este o tempo que o lance de Matsuura Bb1 quer ganhar?- 18...Cxc3 19.bxc3 Tc8 20.Ce5 Bg5 21.Dh3 Bxh6 22.Dxh6 Te7 23.Te3 Df8 24.Dh4 Tec7 (Gerzhoy - Jumabayev, Istambul ol 2012). Agora 25.d5 ofereceu alguma vantagem as brancas, porém aqui teria sido matadora 25.Cxf7!

14...Cd5

Tentando surpreender. Frente ao mesmo adversario Molina tinha jogado 14...Tc8 (um lance introduzido na prática por Korchnoi), alcançando o equilíbrio após 15.Dd3 g6 16.Ba2 Te8 17.Tad1 Cd5 18.Cxd5 (18.Ce4!?) 18...Bxg5 19.Cc3 Bf6= Matsuura - Molina, Rio de Janeiro 2007

15.Dd3 g6 16.Bh6 Te8 17.Ba2

Uma interessante ideia -ver comentário ao lance 14-. Uma vez fechada a diagonal b1–h7 esta peça é mais útil nesta outra diagonal, visando o controle da casa d5. E a resposta natural -troca em c3- permite ao primeiro jogador fortalecer o peão isolado

17...Cxc3 18.bxc3

Agora as brancas têm peões colgantes. As pretas podem contrajogar pelas colunas c e d contra eles  

 
18...Bf6!?

A novidade -não somente as brancas podem melhorar seus bispos!-. Com antecedência tinham-se empregado 18...Bf8 e 18...Tc8 que foi a escolha de Panno nesta posição, porém aqui em vez de 19.Tad1 (Hoffman - Panno, Argentina 1999) as brancas podem tentar 19.d5!?, tirando proveito da colocação do Ba2

19.Tad1 Bg7

19...Tc8!? é uma opção razoável, visando pressionar pela coluna c 20.c4 Ce7 21.Ce5 Cf5 22.Bf4 Bg5=

20.Bf4!?

Talvez a melhor decisão. Muitos se apressariam a trocar em g7 para enfraquecer ao rei, porém o lance feito por Matsuura é mais forte, visando que os mais ativos bispos brancos combinados com possíveis avanços de peão no centro podem ser favoráveis. E no caso de ataque direto, manter esta peça ajuda na posterior exploração das casas negras fracas em campo preto

20...Dd7?!

Molina, possivelmente cansado pela sua batalha prévia na primeira rodada (mais de 150 lances), começa perder pé na posição. Aqui teria sido preferível 20...Ce7!? 21.c4 Bxf3 22.Dxf3 Cf5 23.d5 e5 onde as pretas dispõem de argumentos para lutar pelo equilíbrio

21.h4! 



O avanço deste peão em função ofensiva é temático nas posições de peão isolado no esquema Panov (ou na Nimzoindia ou gambito de dama aceito) e na presente posição oferece a iniciativa às brancas. No entanto, o rápido desmantelamento das pretas não podia se antecipar.

21...Tad8 22.h5 Bf6?!

Melhor é 22...Ce7 23.Ce5 Da4²

23.Cg5± Ca5?

As pretas não têm tempo para manobras na ala de dama. Esta peça devia se adicionar à defesa do seu rei: 23...Ce7 24.Dh3±

24.hxg6 hxg6 25.Dh3 De7

25...Bxg5 26.Bxg5+- As fraquezas nas casas negras condenam ao rei preto

26.Dh7+

Se 26...Rf8 27.Cxe6+ fxe6 28.Bh6+ ganha (28...Bg7 29.Dh8+). Uma importante vitória para Matsuura, que se recupera assim do começo duvidoso 1–0

A partida mais espetacular da segunda rodada foi a vitória de Marcio Baeta sobre Alessandro Alves, uma caçada ao rei das antigas. OK, o jogo não está isento de erros, porém posições de natureza tática são impossíveis de administrar com um cálculo perfeito, a menos que você se chame Kasparov...

Baeta,Marcio (2066) - Alves,Alessandro (1856)

Guarapari (2.13), 01.11.2012

1.e4 c5 2.d4 cxd4 3.Cf3 d6 4.Cxd4 Cf6 5.Cc3 a6 6.Bg5 e6 7.f4 Be7 8.Df3 Dc7 9.0–0–0 Cbd7 10.Be2 b5 11.Bxf6 Cxf6 12.e5 Bb7 

 
13.Cdxb5!?

A entrega é novidade. O lance mais usual é o surpreendente 13.exf6! empregado primeiro em Keres - Fischer, Bled (ct) 1959 13...Bxf3 14.Bxf3 Bxf6 15.Bxa8 d5 16.Bxd5 Bxd4 17.Txd4 exd5 foi a continuação desse clássico. Keres capturou com cavalo em d5; a teoria contemporânea indica que a mais forte é 18.Te1+

13...axb5 14.Cxb5 Db6?!

Em vez deste mecânico lance, 14...Db8! teria colocado em problemas as brancas na hora de demonstrar o valor da sua compensação

15.Db3© Cd5 16.exd6

16.Cxd6+ Bxd6 17.Dxb6 Cxb6 18.Txd6 Cd7 (18...Cd5 19.Bb5+ Rf8 20.Td7²) 19.Thd1©

16...Bd8

Uma possível opção é 16...Bxd6! 17.Cxd6+ Dxd6 18.Dxb7 Dxf4+ 19.Rb1 0–0 20.Db3 Tfc8© As pretas têm adequada compensação pelas possibilidades de iniciativa contra o roque branco

17.d7+ Re7

17...Rxd7 18.c4²; 17...Rf8!?

18.Bf3² Bc6?

18...Ta5 19.c4² 

 
19.Txd5!?

Aqui começa a caçada ao rei! Também forte era 19.Bxd5! por exemplo 19...Bxd5 20.Txd5 Rf8 21.Td2+-

19...exd5 20.Db4+

Ou também 20.Te1+ Rf6 21.Dc3+ Rg6 22.Cd6+-

20...Rxd7 21.Bg4+ f5

Necessária; 21...Re8 22.Te1+ ganha de imediato

22.Bxf5+ Re8 23.Te1+ Rf7 24.Be6+ Rg6

 
O momento crítico. Como devem continuar as brancas? 

25.Db3?

25.Cd6!! teria sido um brilhante arremate. Se 25...Dxb4 (25...Bd7 26.Dd2!+-) 26.Bf7+ Rh6 27.Cf5#

25...Dxb5?

25...Df2! e as pretas ganham (!), por exemplo 26.Dd3+ Rh6 27.Tf1 Bxb5-+

26.Dg3+

Após este lance as brancas voltam ter vantagem decisiva

26...Rh6 27.Dh3+ Rg6 28.f5+ Rf6 29.Dh4+ g5 30.Dh6+?

Agora o condutor das brancas têm que começar de novo, como um moderno Sisifo. Simples era 30.Dd4+ Re7 31.Bxd5+ Rd7 32.Bc4+ ganhando

30...Re7 31.Bxd5+ Rd7 32.Dg7+ Rd6?

Um rei com tendência suicida! 32...Rc8 33.Be6+ Bd7 34.Dxh8 Bxe6÷

33.De5+

Ainda mais simples é 33.Bxc6+-

33...Rc5

 
Porém desde aqui Baeta faz os melhores lances, recuperando o material com interesse:

34.Bc4+! Rxc4 35.Dc3+ Rd5 36.Te5+ Rd6 37.Txb5 Bxb5 38.Dxh8+- g4 39.Dd4+ Rc7 40.f6 Txa2 41.Dc5+ Bc6 42.f7 Ta8 43.f8D Bg5+ 44.Dxg5 Txf8 45.Dg7+

Uma boa recuperação do veterano enxadrista, após a derrota da primeira rodada  com Di Berardino 1–0

A jornada entregou também algumas tragicomédias, sendo talvez a mais destacada a que segue:

Vieira,Paulo Cesar (1904) - Marques,Johan
Guarapari  (2.17), 01.11.2012

 
50...Rg2 [Coloque o leitor os signos de interroga que quiser; 50...Rf3=] 51.h4! 1–0 

Após esta segunda rodada são sete os líderes: o grande mestre Krikor Mekhitarian, os mestres internacionais Evandro Barbosa e Christian Toth, os mestres fide Álvaro Aranha e Luiz Abdalla e os enxadristas gaúchos Felipe Menna Barreto e Rodrigo Borges. A tabla completa (e os resultados das primeras rodadas, os jogos e o emparceiramento da terceira rodada) pode-se ver no seguinte link de chess-results:

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