sábado, 3 de novembro de 2012

Nada está claro ainda

SEMIFINAL 1 DO CAMPEONATO BRASILEIRO: CRÔNICA DA RODADA 5
Pelo mestre internacional Luis Rodi

Vale a pena, para os que não conhecem Guarapari, dedicar algumas linhas a descrever esta bonita cidade capixaba na beira do oceano Atlántico, cortada em dois pelo rio  do mesmo nome com a singularidade de contar com praias no mar (de agua salgada) e no rio (de agua doce). Situada a algo mais de cinquenta quilômetros da capital do estado, Vitoria, Guarapari conta com algo mais de cem mil habitantes permanentes (na temporada de férias são muitas mais pessoas, como em toda cidade balnearia). Seu nome, de clara inspiração indígena, alimenta controvérsias entre os que afirmam que Guarapari significa “garça manca” e os que o traduzem como “armadilha de pássaros”. Grande parte da fama da cidade como destino turístico tem a ver com as propriedades medicinais das suas areias monazíticas. De geografia caprichosa, com infinidade de belas paisagens, culinária típica capixaba baseada em frutos de mar e a proverbial amabilidade de sua gente, os guaraparienses, esta é a cidade que alberga, até o dia de amanha, a semifinal da região 1 do 79º campeonato brasileiro de xadrez.
Hoje, Guarapari está sob os efeitos de uma pertinaz chuva, ao menos no horário da rodada. O clima ideal para um bom xadrez, e assim parecem concordar os protagonistas das primeiras mesas –nenhum empate rápido, ao menos até o Matsuura – Mekhitarian em 15 lances, porém (e um porém importante) após duas horas de jogo-.

O mestre internacional mineiro Evandro Barbosa obteve uma importante vitória, levando as pretas e em apenas 21 lances após uma abertura nada convencional:
Aranha Filho,Alvaro (2280) - Barbosa,Evandro (2407)
Guarapari (5.4), 03.11.2012


1.d4 Cf6 2.c4 g6 3.f3
 
A ideia foi empregada com sucesso pelo campeão mundial Viswanathan Anand no seu match contra Boris Gelfand. As pretas geralmente escolhem entre jogar esquemas de Grünfeld com ...d5 -porém as brancas jogam e4 sem ter que trocar peça menor em c3- ou da Índia de Rei mediante ...d6. Nesse caso, o jogo pode transpor à variante Sämisch dessa defesa ou criar novas trilhas se as brancas preferem desenvolver o cavalo dama por a3. No entanto, o condutor das pretas tem outra ideia:
 
3...e5!?
 
 
O gambito Budapest diferido! Em casos, a fraqueza criada na diagonal e1–h4 pode justificar a entrega, que já foi utilizada por nomes como Carlsen, Van Wely, Leko ou Krasenkow
 
4.dxe5 Ch5
 
Ameaçando o xeque em h4. As brancas têm duas formas populares de combater ele; Álvaro opta pela menos usual
 
5.g3
 
5.Ch3 é a alternativa. Agora é usual a sequência 5...Cc6 6.Bg5 Be7 7.Bxe7 Dxe7 8.Cc3 Dxe5 onde as brancas escolhem entre 9.Dd2 d6 10.g4 (Grover - Grandelius, Chennai 2011) ou a imediata 9.g4 que depois de 9...Cg7 10.f4 De7 11.Cd5 Dd8 parece algo melhor para as brancas, embora os jogos Kramnik - Leko, Tilburg 1998 e Hillarp Persson - Carlsen, Malmö 2004 finalizaram com vitória preta
 
5...Cc6 6.e3N
 
Uma nova ideia, porém demasiada passiva. As brancas devem preferir 6.f4 -que é como continuara a maioria dos jogos-. Um exemplo é 6...d6 7.Bg2 Be6!? (a mais natural 7...Bg7 merece atenção) 8.Bxc6+ bxc6 9.Da4 dxe5 10.Dxc6+ Bd7 11.De4 Cf6 12.Dxe5+ Be7 e as pretas têm compensação, Magalashvili - Predojevic, Chalkidiki 2003
 
6...Cxe5 7.Be2 Bg7 8.f4 Cc6 9.Cf3
 
Uma alternativa possível é 9.Bxh5 gxh5 onde as pretas oferecem material a cambio de se adiantar no desenvolvimento e pressionar sobre os peões fracos em campo branco (fundamentalmente e3). A prova empírica: 10.Dxh5 Cb4 11.Ca3 (11.De2 d5 12.a3 Ca6 13.Bd2 0–0 é cômodo para o segundo jogador) 11...De7!? (11...Cd3+ também pode se considerar) 12.Cf3 Cd3+ 13.Re2 Cc5 e as pretas dispõem de adequada compensação
 
9...0–0 10.0–0 d6
 
 
As pretas saíram da abertura com posição preferível, devido a sua melhor estrutura e as peças mais ativas
 
11.Cc3 Te8 12.Dd2 Cf6 13.Te1 Bf5!
 
A melhor casa para esta peça, que toma controle da casa b1
 
14.Bd3
 
14.a3 Dd7 - As pretas comunicam suas torres enquanto não é simples fazer o mesmo com as peças brancas: os b4 são castigados mediante ...Ce4
 
14...Bg4 15.Cd4
 
Após este salto, a coluna e se abre em favor das pretas (com a ala dama sem desenvolver o jogo das brancas está atrapalhado) 15.Dg2!? com ligeira vantagem preta 
 
15...Cxd4 16.exd4 Dd7
 
 
As pretas têm clara vantagem
 
17.d5
 
17.b3 Cd5! com clara vantagem; 17.Txe8+ Txe8 18.b3 Cd5 19.Cb5 Dxb5 20.cxb5 Bxd4+ 21.Rg2 Ce3+ e as brancas têm que devolver a dama: 22.Dxe3 (22.Rg1 Cc2+ 23.Rg2 Ce1+ ganhando) 22...Bxe3 com clara vantagem
 
17...Bh3!–+ 18.Ce4
 
As brancas estão sem defesa, por exemplo 18.Bf1 Txe1 19.Dxe1 Te8 20.Df2 Bxf1 21.Dxf1 Cg4 com a ideia ...Bd4+ é decisiva
 
18...Cxe4 19.Bxe4 Dg4!?
 
Mais contundente teria sido a simples 19...Te7 onde uma possível continuação é 20.Bg2 Bd4+ 21.Rh1 Txe1+ 22.Dxe1 Te8 23.Dd2 Bxg2+ 24.Rxg2 Dg4 25.Dxd4 Te2+ 26.Df2 Txf2+ 27.Rxf2 Dd1–+ A impotente ala dama branca não pode enfrentar a dama
 
20.Te3?
 
Perdendo o elegante golpe tático que segue. Era necessária 20.Df2 se bem que as pretas conservam a vantagem continuando com 20...Te7 (20...b6!?) 21.Bg2 Tae8 22.Txe7 Txe7 23.Bxh3 Dxh3 24.Be3 Df5 com clara vantagem preta
 
 
20...Txe4! 21.Txe4 Df3
 
Não se pode defender f1, g2 e d4 ao mesmo tempo 0–1

A luta pelas quatro vagas, com os últimos resultados a vista promete ser dura. Após esta quinta rodada são seis os líderes: aos da rodada precedente, que empataram seus jogos (o grande mestre Krikor Mekhitarian, o mestre internacional Christian Toth e Mateus Mendonça) se adicionaram três enxadristas  que venceram seus jogos nesta tarde: o já mencionado Evandro Barbosa, o gaúcho Felipe Menna Barreto e o mestre internacional Diego Di Berardino, que realizou um bom trabalho posicional para vencer ao ex campeão brasileiro sênior Lincoln Lucena. Os seis líderes levam 4 pontos, enquanto os participantes com até um ponto a menos conservam ainda chances matemáticas. Em resumo, nada está claro aqui: nem o dia com céu cinza nem a classificação á final, que pode ser para qualquer um dos envolvidos.
A rodada 6 tem nas mesas principais os enfrentamentos Mekhitarian – Di Berardino, Barbosa – Toth, Mendonça – Mena Barreto, Abdalla – Matsuura e Molina – Carneiro.

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