A segunda partida do match pelo título mundial, celebrado na cidade russa de Sochi, teve definição: Magnus Carlsen, levando as peças brancas, obteve uma convincente vitória que lhe permite tomar a liderança no match. A abertura transitou as trilhas da Ruy Lopez Berlinense (na variante 4.d3), ficando o jogo rapidamente equilibrado. No entanto, o norueguês dispus suas peças com acerto em função ofensiva (começando com o excelente Ta3), enquanto o desafiante as colocou com menos harmonia, ficando logo em dificuldades. Para evitar cair sob ataque, Anand foi realizando simplificações que lhe deixaram em um final inferior, que foi conduzido com a boa técnica de costume pelo campeão. Sob pressão e certo apuro de tempo o mestre indiano realizou um grave erro que lhe deixou perdido de imediato. Um justo prêmio para Carlsen, que ontem mostrou o xadrez mais interessante.
Hoje é dia livre, continuando amanha o match, com Anand levando as brancas.
Carlsen,Magnus
(2863) - Anand,Viswanathan (2792)
WCh 2014 Sochi RUS (2),
09.11.2014
[Notas tomadas dos comentários do MI Luis Rodi para Xadrez Diário]
1.e4 e5
2.Cf3 Cc6 3.Bb5 Cf6
A
variante Berlinense da Ruy Lopez é na atualidade a opção mais sólida (como
antigamente a Petrov). As brancas tentaram diversos caminhos, mas em todos eles
a teoria ainda não obteve uma vantagem para o primeiro jogador, embora alguma
pressão possa ser exercida utilizando o tempo a mais
4.d3
No match
prévio entre os mesmos protagonistas, a maioria das partidas se desenvolveram
nas trilhas abertas por este lance, que fora popularizado por Anderssen na
segunda metade do século XIX e que hoje é uma das preferências do campeão
mundial. Já o desafiante divide a sua atenção entre o movimento de peão dama e
o famoso final do muro de Berlim (4.0–0 Cxe4 5.d4 Cd6 6.Bxc6 dxc6 7.dxe5 Cf5
8.Dxd8+ Rxd8). Carlsen, apesar de estar jogando no mesmo dia da queda do famoso
real Muro (vinte e cinco anos trás) decide não enfrentar essa linha -e depois
da partida confessou que não tinha em mente esse acontecimento histórico ao
momento de jogar esta partida-
4...Bc5
O movimento característico da
Berlinense. As pretas podem também jogar com o bispo dentro da cadeia (por
exemplo, começando com 4...d6), levando a posições semelhantes às da Ruy Lopez
com d3 -ou transpondo a eles no caso das pretas utilizar o lance ...a6-
5.0–0
Por enquanto, este lance é a continuação mais popular. Em Chennai 2013,
Anand, levando as peças brancas, utilizou as opções 5.c3 e 5.Bxc6 ante Carlsen
5...d6
Também a mais usual. Os dois mestres têm um antecedente (em ritmo rápido)
com o lance 5...Cd4 que é a principal alternativa ao texto. Depois de 6.Ba4
(mais comum é a troca em d4) 6...Cxf3+ 7.Dxf3 0–0 8.Dg3 d6 9.Bg5 c6 10.Bb3 Ch5
11.Dh4 Cf6 12.Cc3 h6 13.Bd2 a5 a posição é equilibrada, porém a partida acabou
com vitória para as pretas (Carlsen - Anand, Moscou rapid 2011)
6.Te1!?
Como
de costume, Carlsen se afasta das trilhas teóricas mais usuais (que nesta
posição estão representadas pelo lance temático 6.c3). A estratégia do
norueguês pode ser explicada utilizando as próprias palavras do campeão,
durante a conferência de imprensa: "Nós obtivemos uma posição equilibrada
porém com muitas possibilidades de jogo, e isso é OK para mim"
6...0–0
7.Bxc6 bxc6
Como na primeira partida, Carlsen deteriora a estrutura de
Anand ao custo de uma boa peça menor. Mas diferente dessa outra, a atual
posição é muito mais temática (há muitos exemplos em posições semelhantes), com
o par de bispos representando uma adequada compensação pelos peões dobrados
8.h3
Te8 9.Cbd2 Cd7
"No estilo do grande Mikhail Chigorin, superprotegendo
e5" (Nigel Short). A posição, já fora de teoria, admite outros lances,
como 9...h6 ou 9...Tb8
10.Cc4 Bb6
Talvez 10...Cf8!?
11.a4! a5
12.Cxb6 cxb6
Cada modificação estrutural oferece novos elementos
avaliativos. Aqui as pretas recuperaram a estrutura original, mas perderam um
dos componentes do par de bispos e d6 pode ser no futuro uma fraqueza, como
apontado pelo seguinte lance
13.d4!
Os últimos acontecimentos deixaram a
iniciativa nas mãos brancas. No entanto, a posição preta segue sendo sólida e
uma adequada coordenação entre as peças pode assegurar o equilíbrio
13...Dc7
14.Ta3!
Se necessário, esta torre pode acudir à ala de rei para se
posicionar em forma ofensiva. Kasparov fazia bom uso deste recurso nos seus
jogos na abertura Ruy Lopez
14...Cf8 15.dxe5 dxe5 16.Ch4 Td8
É esta a
torre que deve se posicionar em d8? O problema com as torres é sempre achar a
melhor colocação para as duas, com harmonia e sem que se atrapalhem entre se.
Na presente posição não é obvio decidir o local para essas peças, e o
computador é de pouca ajuda nessa matéria. Se o leitor pensa que era a outra
torre a que devia se transladar a d8, então 16...Be6 é o seu lance, completando
o desenvolvimento
17.Dh5 f6 18.Cf5
"O computador oferece uma
avaliação perto do equilíbrio, porém eu ficaria preocupado com todas essas
peças indo na direção do meu rei" (Nigel Short)
18...Be6?!
Agora
esta ideia simples não ajuda na tarefa de defesa, sobretudo porque e6 pode ser
melhor casa para o cavalo! Certa falta de harmonia na distribuição de peças
pode mostrar falta de plano, e com certeza não é um bom indicativo do estado de
ânimo do desafiante nesta posição. Algumas alternativas são:
a) 18...Rh8
19.Tg3 Ce6 e as pretas deveriam sustentar a posição. Uma ideia é ...Tg8, e
outra mais construtiva, ...c5 para ...Bb7 com pressão sobre e4;
b) A mais urgente
18...Df7 foi recomendada em chessbase, com a ideia 19.Dg4 (entretanto,
parece mais crítica 19.De2!? ) 19...Bxf5 20.exf5 Td4=;
c) 18...Bxf5
eliminando uma das peças atacantes é tentadora, embora 19.exf5ƒ deixa às pretas
em uma posição inferior pela diferencia qualitativa entre as peças menores;
Anand somente trocou em f5 quando teve certeza que o seu cavalo não ficaria sem
casas úteis;
d) Uma ideia mostrada por Svidler e Guramishvili nos seus
comentários ao vivo é 18...Cg6 19.Tg3 Df7 20.Bh6+- O tipo de problema que
enfrentam as pretas se não acertam com a melhor sequência defensiva
19.Tg3
Cg6 20.h4
O approach consistente, de acordo com o cânon
evolutivo do ataque (as brancas contam com mais peças no setor e portanto não
precisam de sacrifícios). A revolucionária 20.Bh6!? é outro curso de ação
20...Bxf5
Anand
decide que é o momento certo para simplificar. A opção é 20...Td7 onde as
brancas contam com um ataque persistente continuando com 21.Bh6!
21.exf5 Cf4 22.Bxf4 exf4 23.Tc3
A pressão exercida pelas peças brancas
em função ofensiva derivou, depois das simplificações, em um final melhor para
as brancas, porque possuem peças mais ativas, a melhor formação (os peões
pretos na ala de dama e o f4 são alvos) e fundamentalmente o domínio da coluna
e, pela qual podem invadir as forças do primeiro jogador. Uma
posição ideal para o estilo de Carlsen, que pode jogar a ganhar sem correr
riscos
23...c5 24.Te6 Tab8!?
24...h6!? dando um ar para o rei e
preparando ...Td4 é a sugestão do meu computador 25.Tc4 Td4 26.Df3²
25.Tc4
Dd7 26.Rh2! Tf8 27.Tce4±
"Aqui eu
pensei que devia estar muito melhor e caminho da vitória" (Magnus Carlsen)
27...Tb7 28.De2
As peças brancas dominando totalmente na coluna e são
uma impressiva visão. O lance que segue é uma tentativa desesperada de
contrajogo
28...b5 29.b3 bxa4
30.bxa4 Tb4 31.Te7 Dd6 32.Df3 Txe4 33.Dxe4 f3+ 34.g3 h5?
Como
Nigel Short indicou, erros como este lance, que perde de imediato, são
resultado da enorme pressão prévia; 34...Dd2 35.Dxf3 Dxc2 é, no lugar do lance
do texto, a ideia mais resistente. Ainda assim, a posição é claramente melhor
para as brancas depois de 36.Rg2 O primeiro lado pode lutar pelo ponto
utilizando as suas peças mais ativas
35.Db7 1–0
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