segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O nexo entre avaliação e cálculo

Dentre os lendários encontros entre as duas K, o celebrado nas cidades de Nova York e Lyon no ano 1990 foi um dos mais interessantes desde o ponto de vista criativo, com ambos os grandes mestres lutando pelo ponto sem importar cor. O seguinte exemplo -tomado da quarta partida daquele match- se enmarca no tema enunciado no título desta postagem

Kasparov,Garry (2800) - Karpov,Anatoly (2730)
World Championship 35th-KK5 Lyon/New York (4), 17.10.1990

[Comentários do MI Luis Rodi]
1.e4 e5 2.Cf3 Cc6 3.Bb5 a6 4.Ba4 Cf6 5.0–0 Be7 6.Te1 b5 7.Bb3 d6 8.c3 0–0 9.h3 Bb7 10.d4 Te8 11.Cbd2 Bf8 12.a4 h6 13.Bc2 exd4 14.cxd4 Cb4 15.Bb1 c5 16.d5 Cd7 17.Ta3 f5 18.exf5 Cf6 19.Ce4 Bxd5 20.Cxf6+ Dxf6 21.Bd2 Dxb2 22.Bxb4 Bf7 23.Te6 Dxb4 24.Tb3 Dxa4 25.Bc2 Tad8 26.Tbe3 Db4


Uma instância crítica. Em linhas gerais, as brancas devem demonstrar que a sua iniciativa no centro e na ala do rei compensa adequadamente o material empregado -cabe considerar um agravante: as brancas não entregaram meramente material, mas também uma ala completa (!)- Os quatro peões livres das pretas ganham qualquer tipo de final -e aqui temos um detalhe importante: baixo nenhuma circunstância as brancas podem permitir a troca de damas-, o que obriga ao primeiro jogador a manter um grande dinamismo na posição, dando as suas peças a maior atividade possível ao tempo de criar ameaças no setor onde elas têm influencia. A avaliação, pois, é clara, e conduz diretamente ao plano lógico, mas na hora de realizar o lance como seguer?
27.De2 parece uma boa tentativa, fortalecendo o domínio da coluna e criando a ameaça Txe8, porém é refutada com o truque 27...Dc4! (em cambio 27...Bxe6 28.Txe6 Dc4 29.Txe8 Txe8 30.Dxe8 Dxc2 31.De6+ Rh8 32.Df7 acaba em empate após 32...Dc1+ 33.Rh2 Df4+=) 28.Bd3 (a chave da ideia preta é a seguinte continuação, subministrada por Zajcev: 28.Txe8 Dxe2 29.Txf8+ Rxf8 30.Txe2 a5 onde os peões pretos são mais fortes que o cavalo branco) 28...Dc1+ 29.Rh2 c4 onde a vantagem preta não oferece dúvidas, por exemplo 30.Bc2 (30.Txe8 Txe8 31.Txe8 cxd3 32.Txf8+ Rxf8 33.Dxd3 Df4+ 34.Rg1 Rg8–+) 30...Bxe6 31.fxe6 Be7 (31...d5!? 32.Bg6 Bd6+ 33.g3 Te7 34.Bf7+ Rh8 35.Ch4 Db1 36.Cg6+ Rh7 37.Ch4 Txf7 38.exf7 Tf8 39.Df3 Bc5 com clara vantagem preta) 32.Cd4 d5 33.Bg6 -uma a continuação aportada mencionada por Kasparov, que a considera uma tentativa de salvamento, apesar das pretas sempre ter "o xeque Bd6 em reserva"-
Para entender o seguinte lance, nada melhor que dar a palavra ao seu autor: "As brancas têm uma fina posição de ataque, porém nenhuma ameaça direta até agora. Para elas aparecer, esse lado deve de maneira urgente por as suas últimas reservas na batalha -seu cavalo de f3-, e depois forçar a troca ...Bxe6, sem permitir a troca de damas, para explorar o afastamento da dama branca do seu rei. Assim foi como o modesto avanço do peão g foi concevido" (Kasparov)

27.g3!


"Concedendo uma boa casa ao rei e simultaneamente preparando o translado do cavalo à casa h4. 27.g4 era tentadora com a ideia g5, porém evidentemente Kasparov percibiu que o enfraquecimento da casa f4 podia se fazer senter no futuro, e então ele evitou essa continuação" (Geller, Lein). Agora, a escolha preta não é menos difícil. Karpov deve decidir seu lance entre uma série de promissorias continuações, que requerem de adequado cálculo. Elas devem, claro, estar dentro do plano geral de avanço na ala da dama, mas ao mesmo tempo se deve manter um olho na defesa, considerando que as peças brancas estão perigosamente perto da posição do rei preto. Após determinar que nenhúm perigo imediato ameaça ao seu rei, o condutor das pretas entende que é possível seguer com um movimento de peão na ala da dama, criando mais pressão

27...a5!?

"Como as alternativas naturais ...d5 ou ...c4 ajudam às brancas à ativar seu cavalo, Karpov avança o peão a, que no caso de chegar à sexta fileira vai ser uma real diversão" (Kasparov). Algumas alternativas são:
a) 27...c4 foi recomendada por Tal. As brancas têm equilíbrio aqui continuando com 28.De2 Bxe6 29.Txe6 Dc3 30.Txe8 Txe8 31.Dxe8 Dxc2 32.De6+ Rh7 (porém não 32...Rh8 33.Ch4+-) 33.Dg6+ Rg8=;
b) Korchnoi e Christiansen fizeram a sugerencia 27...d5 28.Ce5 (28.Txe8!? é uma possível opção) 28...d4 (28...Bxe6 29.fxe6 Txe6 30.Cd3 Dd4 31.Txe6 c4 com compensação) 29.Tb3 Bxe6 onde a continuação de Kasparov, 30.fxe6 Txe6 31.Txb4 Txe5 32.Tb1 c4 é talvez favorável ao primeiro jogador -se bem que o então campeão mundial indica empate como resultado mais provável na linha 33.Dd2 d3 34.Bd1;
c) 27...Db2!? é uma tentativa (não mencionada nos livros que se ocupam do match até onde conheço) de levar a dama preta à ala do rei (possivelmente à casa f6 após tomar em e6), combinando as ações ofensivas na ala da dama com a defesa do monarca. No meu ponto de vista, este lance pode ser o mais correto nesta posição; linhas como 28.De2!? (28.Tb3 Da2 29.Tbe3 c4 30.Cd4 d5–+) 28...Bxe6 29.fxe6 Df6 30.Dd3 g6 31.Dd5 Be7 32.Ch4 parecem favoráveis às pretas, se bem que são ainda complexas e concedem ao primeiro jogador certa compensação.


Depois de algumas aventuras mais -onde as brancas jogaram todas suas cartas à iniciativa na ala do rei-, o jogo acabou em empate:

28.Ch4 d5 29.De2 Dc4 30.Bd3 Dc1+ 31.Rg2 c4 32.Bc2 Bxe6 33.Txe6 Txe6 34.Dxe6+ Rh8 35.Cg6+ Rh7 36.De2 Dg5 37.f6 Dxf6 38.Cxf8+ Rg8 39.Cg6 Df7 40.Ce7+ Rf8 (as brancas têm xeque perpétuo) ½–½


 

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