Há diversidade no xadrez. Os
ritmos novos estão se adicionando ao tradicional e até a FIDE tem estabelecido
um sistema de rating especial para partidas rápidas e blitz. Por enquanto, em
compartimentos separados, porém tem torneios que já misturam os tempos, um
experimento que pode não ser o melhor desde o ponto de vista enxadrístico,
porém sem dúvida estão planejados para chamar a atenção da mídia.
Dentro dos experimentos
mencionados, o torneio de Nancy (França) é um dos mais extravagantes: seis
grandes mestres de alto nível, dez rodadas –todos contra todos a dupla volta-.
Ontem, 24, acabou a primeira volta com a realização da rodada 5, depois de partidas
standard desenvolvidas a razão de uma por dia.
O jogo Bauer - Edouard (empate) pela rodada 2
Até aqui, normal. No entanto, a
segunda volta –as partidas revancha- vai acontecer em dois dias, sendo partidas
rápidas! Na minha opinião, a mistura de ritmos só pode ser prejudicial para o
desenvolvimento do torneio. Os organizadores teriam feito melhor em realizar o
torneio a cinco rodadas, declarar um vencedor e depois, se querem, partidas
rápidas para encantar a TV e a mídia, pois então mais um torneio, diferente ao
primeiro e começando de zero.
Blitz, partida rápida e xadrez
pensado são coisas diferentes. Se jogam com as mesmas peças –assim como futebol
e golf se jogam com bola- porém são coisas diferentes. Nada contra: todas têm o
direito de existir. Porém não de se equiparar. Nestes tempos de realizações
rápidas e produtos pré-digeridos, há quem ainda tem vontade de por a funcionar
os neurônios e investir vinte minutos em avaliar uma posição e achar um bom
plano.Não é televisivo? Pena. Porém é xadrez. Os outros ritmos são brincadeira,
algo que todos fazemos com as mesmas peças quando não estamos jogando xadrez e
temos cinco, três ou um minuto para exercitar a velocidade das nossas mãos. É
divertido, mas não é xadrez.
No torneio de Nancy, ao finalizar
as primeiras cinco rodadas as posições são: 1-3. Ivan Sokolov, Christian Bauer
e Roman Edouard 3 pontos; 4-5. Alberto David, Chanda Sandipan 2,5; 6. Yuri
Solodovnichenko 1
Aqui, um dos interessantes jogos disputados nessa cidade francesa:
Sandipan,Chanda (2628) - Sokolov,Ivan (2649)
Festival Conseil Général - Nancy (2), 21.02.2012
[Comentários do MI Luis Rodi]
1.d4 Cf6 2.c4 e6 3.Cc3 d5 4.cxd5 exd5 5.Bg5 c6 6.e3
Alguns autores -McDonald, por exemplo- consideram que a ordem mais correta é 6.Dc2 privando às pretas da seguinte possibilidade
6...Bf5
O bispo desenvolve de forma ativa pela sua melhor diagonal. No entanto, outra parte da teoría -por exemplo no livro de Rizzitano- considera que a linha seguinte favorece as brancas -em consequência, a ordem empregada por esse lado não é tão importante-. As pretas, claro, podem sempre escolher a linha principal mediante 6...Be7 7.Bd3 Cbd7 8.Dc2 0–0
7.Df3 Bg6 8.Bxf6 Dxf6 9.Dxf6 gxf6
Uma posição importante desde o ponto de vista teórico que, como se percebe nos comentários prévios admite diferentes leituras dos autores que a consideraram -e também dos mestres-. As brancas entregaram o par de bispos, deteriorando a estrutura preta na ala do rei em compensação. Nos seus futuros planos o controle da casa f5 tem um lugar privilegiado, já que a ocupação desse ponto com uma peça menor que não pode ser desalojada é um logro posicional
10.Cge2
10.h4 10.Cf3 e 10.Rd2 são opções importantes aqui. A escolha do grande mestre indiano é polifuncional: o cavalo rei branco dispõe de dois possibilidades no futuro, em g3 (para lutar pelo controle de f5) ou f4
10...a5!?
Uma ideia pouco usual. A mais utilizada é 10...Bd6 onde 11.g3 Cd7 12.Cf4 foi empregada com antecedência pelo condutor das brancas; após 12...Re7 13.0–0–0 Cf8 14.Cxg6+ hxg6 15.e4 dxe4 16.Cxe4 Td8 17.Bc4 Ce6 a posição é aproximadamente igual, Sandipan - Ulanov, São Petersburgo 2009
11.Tc1
A novidade do jogo. Com antecedência tinha-se empregado 11.Rd2 onde 11...Cd7 12.Cg3 a4 13.f4 h6 14.f5 Bh7 oferece chances aos dois lados, Saidy - Martinovsky, Honolulu 1997. O bispo de casas brancas do segundo lado está confinado em uma engraçada situação, mas a estrutura branca não é a melhor; A inédita 11.h4!? é outra possibilidade
11...Cd7 12.h4 h5 13.Cf4 Bd6 14.g3 a4 15.a3 Cb6 16.Rd2 Rf8
O rei pode se dirigir á casa g7, para facilitar a comunicação entre as torres. A posição é aproximadamente equilibrada, mantendo as suas principais caraterísticas: o par de bispos das pretas compensando a deficiencia estrutural desse lado
17.Cxg6+
Esta decisão recompone os elementos de cada lado: as pretas perdem o seu par de bispos porém consertam a sua formação de peões na ala do rei. No entanto, as brancas podiam seguer sem esta troca, por exemplo com 17.Be2 que parece mais empreeendedora
17...fxg6 18.Bd3 f5
Agora a posição é totalmente equilibrada, com bispos de cor diferente na equação. Cada lado, de acordo as regras de Steinitz, vai tentar volcar ao seu favor o equlíbrio, fazendo uso dos seus elementos fortes
19.Ce2 Th7 20.Tc3 Cd7 21.Cf4 Bxf4 22.gxf4
Uma nova transformação: as pretas entregaram seu bispo, a cambio do qual dobraram os peões brancos -certo, o primeiro lado ganha uma coluna aberta-. Tendo em conta o caráter fechado da posição, as peças menores que permanecem no tabuleiro são de valor similar
22...Te7 23.Ta1 A ideia que envolve este lance (o avanço do peão b) não é a mais correta. Na teoria, a abertura da posição pode favorecer ao bispo na luta de peças menores, pelo seu maior alcance, porém há outros elementos que devem ser considerados, como a fraqueza do peão a ou as chances pretas, incluso em uma posição mais aberta, de obter uma boa casa para o cavalo
23...Cf6 24.Tb1 Ce8 25.b4 axb3 26.Tbxb3 Cd6
Aqui está o resultado das operações brancas: a melhor estrutura faz preferíveis as chances do segundo lado
27.Tb4 Tee8 28.a4 Ta7 29.Bc2 Re7 30.Tb1 Rd7 31.Tg1 Te6 32.Tb3 Rc7 33.Tbb1 Ta5 34.Tg2 c5 35.dxc5
35.Rc3 c4 é algo melhor para as pretas
35...Txc5 36.Bd3
Uma possível opção é 36.Tgg1 Cc4+ 37.Rd3 Ca3 38.Tb2 Tec6 39.Bb3 Tb6 A posição das pretas é preferível
36...Ce4+ 37.Bxe4 dxe4
A vantagem de espaço, a melhor estrutura e as torres mais ativas concedem às pretas a preferência neste final. No entanto, as brancas podem opor uma séria resistência contrajogando sobre os peões fracos do segundo lado (b7 e g6)
38.Tgg1?
Porém não assim. Era necessária 38.Tb2! para cuidar a segunda fileira, e no caso de 38...Ta5 39.Tc2+ Rb6 40.Tc4 com boas chances de defesa. Certo, as pretas ainda podem manter a iniciativa continuando com 40...Td5+ 41.Re2 Ted6 42.Tc2 Td3 porém converter esta posição em ponto teria requerido de certa técnica
38...Td6+ 39.Re2
A opção 39.Re1 Tc2 40.Ta1 Ta6 é claramente favorável às pretas, que ameaçam ...Txa4. Se 41.Tb1 Ta2 42.Rf1 T2xa4 com clara vantagem
39...Tc2+ 40.Rf1 Ta2
Na seguinte fase o jogo apresenta algumas imprecisões, talvez produto de apuro de tempo, porém apesar disso o caráter da luta não muda: as pretas sempre têm uma importante vantagem fruto dos elementos mencionados no comentário ao lance 37. E fundamentalmente, a posição branca na prática é muito difícil de jogar
41.Tb4
41.Tc1+ Rd7 42.Tb1 b6 com clara vantagem
41...Ta6!?
41...Tdd2!?
42.Tc4+ Rb8 43.Tg3
43.Tb4 Ta1+ 44.Rg2 T6xa4 45.Txa1 Txb4 com clara vantagem
43...Tb6 44.Tg1 Tbb2–+ 45.Txg6
45.Rg2 Txf2+ 46.Rh3 Ta3 47.Txg6 Txe3+ 48.Tg3 Tee2 ganhando
45...Tb1+ 46.Rg2 Taa1
A rede de mate somente pode ser desbaratada mediante entrega de material inaceptável para o primeiro lado 0–1
(Jogo originalmente publicado no jornal XADREZ DIÁRIO)
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